Uma cuidadosa investigação, com grande pesquisa de campo, revela os meandros do manejo da fé, do dinheiro e a solidez do exercício do poder da mega-organização religiosa que estruturou no Brasil e no mundo uma universal igreja. Vivemos o paradoxo do mundo-mercado, no qual se manipulam os valores humanos como produtos de consumo. Certos estrategistas descobriram no sentimento religioso um "nicho" mercadológico, seguindo regras e metas: Qual o público-alvo? Quais desejos despertar? Como conquistar e conservar a clientela? Em que tempo e qual o faturamento? Em que investir?
Provocado por essas perguntas, o teólogo e mestre em Ciência da Religião Odêmio Antonio Ferrari lança Bispo S/A – A Igreja Universal do Reino de Deus e o exercício do poder (Editora Ave-Maria), com o intuito de mostrar a história e a realidade da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). A principal motivação que o autor teve em escolher essa instituição foi por ser a primeira igreja que rompeu com a tradição do "pentecostalismo clássico", iniciado no Brasil com a Congregação Cristã (1910), em São Paulo, e com a Assembléia de Deus (1911), no Pará.
Baseada no trinômio, "exorcismo, prosperidade e cura", a IURD estruturou-se inserida neste contexto neoliberal e pluralista da sociedade pós-moderna, onde o perfil no campo religioso se encontra múltiplo e variado.
A obra é composta por quatro capítulos e faz uma minuciosa busca pela explicação de como a igreja atingiu essa grandeza em pouco menos de vinte anos. Sem entrar em uma discussão de credo ou preferência religiosa, o autor consegue de forma muito clara trazer ao público muito sobre essa instituição que, utilizando um discurso que responde aos anseios das massas, se beneficiou de fatores da pós-modernidade, estabelecendo-se com forte poder de penetração nas massas.
A IURD atribui uma leitura espiritual às crises de sentido dos seus "clientes" (seguidores). O rito do descarrego exorciza os males e promete libertar o indivíduo para a prosperidade imediata, mediante a contribuição financeira à igreja. Nesta barganha, formou-se um conglomerado empresarial e político, movido pela estratégica venda do religioso com ações de marketing, estatística, competitividade, padronização e flexibilidade de mensagens, possibilitando que bens simbólicos e de sentido à vida sejam comercializados como produtos.
Nos dois primeiros capítulos são apresentados o contexto religioso da pós-modernidade e as novas institucionalizações religiosas no Brasil, não tratando diretamente da IURD em si. Já no terceiro são apresentados a origem e o desenvolvimento da instituição, explicando suas relações com suas raízes próximas (Pentecostalismo) e distantes (Protestantismo) até chegarmos à explanação do chamado Neopentecostalismo.
O quarto capítulo traz uma clara apresentação para que os leitores compreendam o pragmatismo iurdiano que se insere na sociedade como uma instituição competitiva do ramo empresarial, midiático e político, fazendo assim as devidas relações com o exercício de poder dessa igreja.
Após a leitura, compreendemos como a Igreja Universal do Reino de Deus se estruturou num sistema de governo verticalizado, com um modelo de gestão baseado em princípios que o autor chama de sete propriedades: apropriação da cultura popular; sintonia com os Novos Movimentos Religiosos; subversão à matriz evangélica; perfil empresarial; segmentação da clientela; conquistas extra-eclesiais; comando de líder excepcional.
A obra nos leva a entender que a IURD incentiva a cultura individualista e materializada da concentração, consumo e prazer dos bens terrenos, numa mística secularizada, embasada na Teologia da Prosperidade (relação de barganha com Deus). Atua com eficácia na apropriação dos elementos míticos, simbólicos e do senso comum da sincrética cultura e religiosidade popular. Apoiados na vasta rede midiática, os "homens de Deus" enredam e tiram dividendos de anônimos transeuntes, em seus centrais e suntuosos templos, sob o estratégico comando, próximo e distante de um "Bispo S/A".
Certamente uma ótima leitura para quem se interessa pelo tema religião, por sua história e por sua representação na sociedade.
Odêmio Antonio Ferrari é filosofo, teólogo e mestre em Ciências da Religião. Atualmente faz doutorado na PUC de São Paulo com o projeto de pesquisa "A Intersecção entre o Pentecostalismo Assembleiano e o Imaginário Religioso Kaingang: receptividades e rupturas".
(Release divulgado na imprensa)
Marcadores: religião
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