Um Fogo Eterno Que Não Queima Para Sempre. É Possível?
"Eterno", "para sempre", "eternamente", são termos que se acham na Bíblia e que podem transmitir uma noção que não corresponde exatamente a como os percebemos em nosso idioma.
Os lingüistas discutem o sentido das palavras hebraicas e gregas que se traduzem por "eterno" e "eternamente" nas Escrituras ( olam, em hebraico; aion, aionios, no grego). Isso pode parecer meio complicado para um leigo, mas uma maneira de entender a questão mais facilmente é comparando várias traduções. Por exemplo, há traduções bíblicas que trazem no Salmo 23:6: "E habitarei na casa do Senhor por longos dias". Outras Bíblias dizem, "habitarei na casa do Senhor para sempre". O texto original é o mesmo, mas um tradutor verteu o termo hebraico olam por "longos dias" e outro por "para sempre", o que não significa exatamente a mesma coisa, obviamente.
Isso se reflete em versões estrangeiras. Em francês, a versão de Louis Segond diz "jusqu'à la fin de mes jours" [até o fim de meus dias], e na versão em espanhol de Reina -Valera aparece "por largos días", enquanto em inglês a New International Version verte como "forever" [para sempre], bem como a King James e Revised Standard Version.
"Para sempre" e "eterno, eternamente" no hebraico e grego
Na lei mosaica havia um arranjo pelo qual um escravo iria servir ao seu amo "para sempre" [ olam] (Êxodo 21:1-6), mas esse "para sempre" é relativo ao tempo de vida do indivíduo, o que poderia significar "por breve período" ou "por longos dias", dependendo da longevidade de qualquer dos dois envolvidos—o escravo ou seu amo.
Os que criticam os observadores do sábado gostam de lembrar que o concerto divino com Israel foi "perpétuo", no entanto findou na cruz! Então, como uma coisa perpétua pode ter um fim? Pela linguagem hebraica, assim é. O termo olam tem um caráter relativo ao tempo de duração daquilo a que se refere.
No Novo Testamento não é diferente. Paulo se refere a Onésimo, o escravo convertido, que devia voltar a servir "a fim de que o possuísseis para sempre [ aionios]" (Filemon 15 e 16). Mas esse "para sempre" significava até o fim da vida do escravo (ou do seu senhor)!
E o que dizer do "fogo eterno" que queimou Sodoma e Gomorra, mas não está queimando até hoje? Comparando-se diferentes traduções bíblicas percebe-se que o texto de Judas 7 foi alterado ilegitimamente por tradutores na Versão Almeida Revista e Atualizada em português. No original grego consta pyròs aioniou [fogo eterno], caso genitivo, que qualifica o termo "punição". Então, não resta dúvida que a melhor tradução é "sofrendo a punição do fogo eterno".
Novamente, recorrendo às mesmas Bíblias acima citadas, temos:
Francês : ". . . subissant la peine d'un feu éternel"
Espanhol : ". . . sufriendo el castigo del fuego eterno"
Inglês: ". . . the punishment of eternal fire" [NIV]; ". . . vengeance of eternal fire" [King James]; ". . .punishment of eternal fire" [RSV]; ". . . punishment of eternal fire" [Today's English Version].
Infelizmente o trabalho de tradutores também envolve às vezes interpretação segundo suas convicções pessoais, o que não devia acontecer, pois o tradutor devia ser "neutro", mas acontece.
Dois versículos que lançam muita luz
Lendo atentamente os versos abaixo percebe-se algo que talvez nunca haja chamado a atenção de muitos leitores da Bíblia e que ilustra bem a relatividade de sentidos das palavras hebraicas traduzidas por "eternamente", "para sempre". Profetizando acerca de Jerusalém, declara o profeta Isaías:
O palácio será abandonado; a cidade populosa ficará deserta; Ofel e a torre da guarda servirão de cavernas para sempre, . . . até que se derrame sobre nós o Espírito lá do alto: então o deserto se tornará em pomar e o pomar será tido por bosque. – Isa. 32: 14 e 15.
Notem-se as expressões "para sempre" e "até que" em contexto imediato. Como algo pode ser estipulado "para sempre . . . até que" aconteça um certo fato? Isso no português não faria sentido, mas no hebraico sim.
Outra passagem muito significativa acha-se pouco adiante. Ao falar dos edomitas que Deus havia destinado "para a destruição", Isaías se vale de linguagem hiperbólica semelhante:
Os ribeiros de Edom se transformarão em piche, e o seu pó em enxofre; a sua terra se tornará em piche ardente. Nem de noite nem de dia se apagará; subirá para sempre a sua fumaça; de geração em geração será assolada, e para todo o sempre ninguém passará por ela. – Isa. 34: 9 e 10.
Ora, é sabido que os edomitas desapareceram há muitos séculos. Poder-se-ia dizer que existem ainda piche ardente e fumaça subindo na terra de Edom? Logicamente que não.
Igualmente, a punição aos moradores de Jerusalém devida a sua transgressão do mandamento do sábado seria com fogo que não se apagaria (Jeremias 17:27). Contudo, tal fogo há muito já se extinguiu e não há mais fogo consumindo as portas de palácios da antiga capital de Israel. O que temos aí é a chamada hipérbole, uma espécie de "liberdade literária" para acentuar a gravidade das penas. O mesmo ocorre em Isaías 66:24, onde o profeta declara:
Eles cairão, e verão os cadáveres dos homens que prevaricaram contra mim; porque o seu verme nunca morre, nem o seu fogo se apagará; e eles serão um horror para toda carne.
A fim de acentuar o horror do grande castigo reservado aos inimigos de Deus o profeta usa de hipérbole falando, não de almas que nunca morrem, mas de vermes no contexto de "cadáveres". A maior desonra para alguém em Israel seria morrer como um animal, sem sepultamento. Ora, claro que os vermes que consumiriam esses cadáveres insepultos não seriam imortais, embora aparentemente sempre ali estivessem. A linguagem apenas serve para acentuar o horror da cena. E o fogo que não se apaga, do "lixão" onde esses cadáveres jazeriam, tem o mesmo sentido do que já vimos sobre Jeremias 17:27, acima.
Cristo valeu-se dessa metáfora em Marcos 9:48, e também faz menção a outras ilustrações metafóricas, como em Mateus 24:28: "onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão os abutres".
É digno de nota que o apóstolo João, no Apocalipse, vale-se desse mesmo tipo de linguagem para descrever a sorte final dos impenitentes (Apo. 17:16). O mesmo João, lembremo-nos, também valeu-se de figuras variadas do Velho Testamento, como ao tratar da mulher ímpia (a igreja corrompida ao final da história) como Jezabel, e ao falar de Babilônia, ou descrever a besta de Apocalipse 13 como sendo composta com os elementos dos animais de Daniel 7 (leão, leopardo, urso. . . )—ver vs. 2.
Assim, está aí a raiz da linguagem um tanto enigmática que confunde tanta gente boa. O fogo é eterno (como o que destruiu Sodoma e Gomorra), e queimará de dia e de noite com sua fumaça subindo "para sempre", como também se deu na terra de Edom séculos atrás!
Linguagem bíblica clara de destruição plena e total dos iníquos
Há passagens claras na Bíblia sobre a destruição total dos iníquos: os ímpios perecerão (Salmo 37:20); serão destruídos (Salmo 145:20); morrerão (Ezequiel 18:4); serão consumidos (Salmo 21:9); inexistirão (Salmo 37:10); serão eliminados (Provérbios 2:22) perderão a vida (Provérbios 22:23); tornar-se-ão em cinzas (Malaquias 4:3); se desfarão em fumaça (Salmo 37:20); derreterão como a cera (Salmo 68:2); os que não crerem no Filho Unigênito enviado por Deus perecerão (João 3:16), pois "o salário do pecado é a morte" (Romanos 6:23).
Em 2 Tessalonicenses 1:9 Paulo, falando dos que rejeitam o evangelho, declara: "Estes sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória do Seu poder".
Isaías 14:12ss retrata o rei de Babilônia em linguagem que se interpreta geralmente como também referindo-se ao próprio Lúcifer. O mesmo se dá com Ezequiel 28:14ss, que retrata o rei de Tiro, mas a linguagem descritiva é claramente uma referência a Satanás. Os vs. 18 e 19 falam de sua queda final e a destruição eterna com fogo que o transformaria em cinzas, ". . . e nunca mais serás para sempre", dizem algumas versões. Esse é o fim de Satanás, a "raiz", que junto com os "ramos" de seus seguidores encontrarão a destruição, como descrito em Malaquias 4:1-3:
Eis que vem o dia, e arde como fornalha; todos os soberbos, e todos os que cometem perversidade, serão como o restolho; o dia que vem os abrasará, diz o Senhor dos Exércitos, de sorte que não lhes deixará nem raiz nem ramo.
As palavras de Jesus
Jesus comparou a destruição dos ímpios com ervas reunidas em molhos para serem queimadas (Mat. 13:30,40), os maus peixes lançados fora (Mat. 13:48), as plantas prejudiciais que são arrancadas (Mat. 15:13), a árvore infrutífera que é cortada (Luc. 13:7), os galhos secos que são queimados (João 15:6), os servos infiéis que são destruídos (Luc. 20:16), o mau servo que será despedaçado (Mat. 24:51), os galileus que pereceram (Luc. 13:2, 3), as dezoito pessoas que foram esmagadas pela torre de Siloé (Luc. 13:4, 5), os antediluvianos que foram destruídos pelo dilúvio (Luc. 17:27), as pessoas de Sodoma e Gomorra que foram destruídas pelo fogo (Luc. 17:29) e os servos rebeldes que foram mortos quando do retorno do seu mestre (Luc. 19:14, 27).
Todas essas ilustrações empregadas pelo Salvador descrevem vividamente a destruição final dos ímpios. No contraste entre o destino dos salvos e o dos perdidos é um de vida versus destruição. Em Mateus 25:46 Cristo mostra a ANTÍTESE entre "vida eterna" dos remidos e "morte eterna", dos condenados. Há um paralelo na sorte de ambos os grupos—o caráter eterno de sua sorte futura, de um lado vida eterna, do outro, morte eterna.
Jesus disse: "Eu lhes dou [aos remidos] a vida eterna; jamais perecerão, eternamente, e ninguém as arrebatará da minha mão" (João 10:28). "Entrai pela porta estreita (larga é a porta e espaçoso é o caminho que conduz para a perdição e são muitos os que entram por ela), porque estreita é a porta e apertado o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela" (Mat. 7:13). Dentro do contexto destas passagens, não há razão para reinterpretar a palavra "perecer" ou "destruir" para significar permanência de vida em tormento infindável, absolutamente eterno.
Em 2 Pedro 3:6-10 temos o paralelo traçado pelo Apóstolo entre os que "pereceram" no dilúvio com os que perecerão ao final, segundo é decretado "pela mesma palavra" [de Deus]. O termo empregado por ele é apollumi, ou derivados, no sentido de DESTRUIÇÃO DOS HOMENS ÍMPIOS, como diz de modo claro o vs. 7. Acaso os que "pereceram" no dilúvio ficaram eternamente dentro d'água, sofrendo tormentos infindáveis nesse "inferno líquido"?
O fogo é inextinguível, mas o que queima, não. . .
Os que citam as referências ao fogo do inferno- geena (Mat. 5:22, 29, 30; 18:8, 9; 23:15; Mar. 9: 48) em apoio à crença no tormento eterno deixam de perceber, como assinala John Stott [autor protestante], que o "próprio fogo é chamado de 'eterno' e 'inextinguível', mas seria muito estranho se o que é nele lançado se revele indestrutível. Nossa expectativa seria o oposto: seria consumido para sempre, não atormentado para sempre. Assim é a fumaça (evidência de que o fogo realizou sua obra) que se ergue para sempre e sempre (Apo. 14:11; cf. 19:3)".
Nenhuma das alusões de Cristo ao inferno- geena, indica que o inferno seja um local de tormento infindável. O que é eterno e inextinguível não é a punição, mas o fogo que, como no caso de Sodoma e Gomorra, como já visto na discussão de Judas 7, provoca a completa e permanente destruição dos ímpios, condição que perdura para sempre. O fogo é inapagável por não poder ser apagado até consumir todo material combustível. Em Ezequiel 20:47, 48 temos também menção a um fogo que destrói os inimigos de Deus e não se apagaria. Isso se dá porque "Eu, o Senhor, o acendi". Em todo o contexto, a linguagem de vingança é de teor de "consumir" (ver 21:31, e 32—"servirás de pasto ao fogo", e 22:20—"assoprarei sobre vós o fogo do meu furor, e sereis fundidos. . ."). Portanto, o fogo é "inapagável" por ter partido de Deus, e ninguém o poder extinguir. É fogo "inextinguível" nesse aspecto—num claro contexto de destruição total que tal fogo exercerá.
Destruição pressupõe aniquilamento. A destruição dos ímpios é eterna, não porque o processo de destruição continue para sempre, mas porque os resultados são permanentes. Do mesmo modo, os resultados da "punição eterna" de Mateus 25:46 são permanentes. É uma punição que resulta em sua eterna destruição ou aniquilamento, a "segunda morte".
Falando em "segunda morte", esta é a que caracteriza o "lago de fogo", descrito por João no Apocalipse, que ocorre sobre a Terra (ver 20: 9, 10 e 14). Após descrever o lago de fogo que recebe a morte e a sepultura João fala do "novo céu e nova terra" (Apo. 21:1) em seqüência imediata, sem informar nada de que tal "lago de fogo" se transfira para alguma outra parte do universo para prosseguir queimando. Tal lago de fogo, após operar a "segunda morte", simplesmente sai de cena.
Considerações Finais
O apóstolo Paulo disse que "nele [em Deus] vivemos, e nos movemos, e existimos" (Atos 17:28). Toda existência de homens e animais, na parte do universo que for, depende de Deus. Por mais que se empreguem elaborados argumentos da mais refinada retórica e explicações "lógicas", não há como justificar que o Criador irá preservar a vida de bilhões de criaturas com o único propósito de que vivam pela eternidade sofrendo por erros e faltas não perdoados, cometidos durante algumas décadas de vida (ou menos). A noção de um inferno de fogo eterno, que nunca completará sua obra destrutiva, é incompatível com a noção de que Deus é amor e justiça. E há quem ensine que Deus "predestina" alguns para se salvar, enquanto os que se perderem é por não terem sido assim "escolhidos"! Nasceram para mais tarde viver eternamente queimando. . . Não admira a quantidade de ateus, agnósticos e materialistas que têm povoado o planeta.
Em contraste, os que não tiverem a felicidade de ver todos os seus entes queridos compartilhando da eternidade bem-aventurada (certamente não muitos) sentirão muito maior conformação em saber que não estão a sofrer eternamente num fogo que jamais se extinguirá. Sobretudo após poderem acessar os registros celestiais para entender as razões de não se terem salvo (ver 1 Cor. 6:2 e 3) saberão que na sua destruição houve justiça e misericórdia.
Quando alguém vive sofrendo por anos de uma doença terminal e chega a morrer, comenta-se: "Pelo menos descansou e parou de sofrer!" Familiares e amigos sentem-se confortados. O mesmo se dará quando o "câncer" do pecado for eliminado de vez do universo. Este será totalmente purificado de qualquer resquício de iniqüidade, pois a promessa bíblica é de que "segundo a Sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça" (2 Pedro 3:13).
Abraço a todos
Prof. Azenilto G. Brito
Ministério Sola Scriptura
Bessemer, AL, EUA
Visite o site: www.azenilto.com
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