Subsídios Para a Lição da Escola Sabatina |
Lição 4 – A sabedoria de Seus ensinos |
Rodrigo P. Silva
O Dr. Rodrigo P. Silva é professor de Teologia do SALT
Unasp Campus II.
Esboço da lição
Introdução
I – O ensino de Jesus (o reino)
II – A prática de Jesus (perdão e humildade)
III – As lições de Jesus (graça e fé)
Introdução
Hoje em dia, a figura do professor é entendida num sentido mais profissional, o que talvez dificulte entender o papel de Cristo como educador. Naqueles tempos, embora os gregos sofistas já houvessem inaugurado o sistema de professores assalariados, muitos mestres ainda mantinham a velha tradição de ensinar pela missão de fazer discípulos.Em nossos dias, com a pressão para aprovar no vestibular (escola básica), formar um profissional (faculdade) ou até fazer o papel de educador que muitos pais não exercem (ensino fundamental), infelizmente, o exercício do magistério se desgastou muito. São muitos os professores que se aposentam antes do tempo por não suportar a falta de apoio ou a indisciplina de uma geração que parece desconhecer limites. Outros preferem apenas servir de "catalisadores de informação" repassando conteúdos para cumprir o contrato empregatício, ensinando aos alunos com a melhor didática sem, contudo, desejar maior envolvimento com eles. Entretanto, existe um grupo que ainda encara o magistério como um ministério; que, mais do que ter alunos, procura ter discípulos que sigam seus ensinamentos acadêmicos e seu exemplo de vida. Esses profissionais são aqueles que, ao ver seus alunos dando certo na vida, podem com orgulho dizer que "os alunos são a vingança do professor".
Cristo, como professor, não era um sofista profissional do ensino. Ele era o Mestre que convivia com Seus discípulos à moda antiga, isto é, caminhava com eles, comia com eles, dormia em sua casa, repreendia-os, se fosse preciso, e os defendia sempre que necessário. Era uma mistura saudável de amigo, mestre, conselheiro e educador.
I – O ensino de Jesus
O chamado "Sermão do Monte" está colocado numa posição muito estratégica por Mateus; afinal, ele é o código de ética do reino, a cartilha que mostra como vivem e se comportam os cidadãos do reino de Cristo. Note que Mateus, inspirado pelo Espírito Santo, escolheu a dedo os detalhes da vida de Moisés que coincidiam com outros da vida de Jesus e os colocou em seu evangelho antecedendo o Sermão do Monte: Ambos, Jesus e Moisés, nasceram e foram perseguidos por um rei tirano (Faraó e Herodes), mas escaparam, embora outras crianças tenham sido assassinadas. Depois de se haverem livrado da morte, ambos foram para o Egito. Moisés, então, saiu para uma viagem de 40 anos pelo deserto, e Jesus, para uma temporada de 40 dias também no deserto. O primeiro subiu ao Monte Sinai e trouxe consigo os Dez Mandamentos. O segundo também subiu a um monte e de lá trouxe os mandamentos do reino. Moral da história: Cristo é o novo Moisés, e o Sermão do Monte, as regras do Seu reino. Aliás, o próprio Martinho Lutero se referia a esse Sermão como o "Moisíssimo Moisés", ou seja, um discurso de Cristo no qual Moisés é multiplicado, elevado ao quadrado e ampliado ao mais alto grau.
Mas, se olharmos essa cartilha de Cristo, ela parece um tanto confusa e até contraditória. "Bem-aventurados os que choram, os que são perseguidos, os que têm fome, etc...". Como declarou Philip Yancey, parece que "felizes são os infelizes". A seguir, temos um pesado código de regras que pune como assassinos até aqueles que se impacientam com seu semelhante e considera adúltero qualquer que, mesmo não tocando fisicamente uma mulher, a olhar com desejo impuro. Isto, a princípio, destrói aquela idéia simplista de uma "graça barata" nos discursos de Cristo. Também oferece outra leitura para a filosofia de "o que vale é a intenção". Jesus indica que isso é verdadeiro, mas no sentido inverso ao que tradicionalmente apresentam: geralmente, a idéia dessa filosofia de vida é a de que não importa quanto eu erre, se minha intenção foi boa, o que vale é a intenção. Mas, no discurso do Mestre, não importa quanto eu NÃO erre, se minha intenção era pecar, o que vale é a intenção: já faz de mim um condenado. Chega a ser difícil compreender como, após proferir tão duro discurso, as multidões pudessem estar maravilhadas, e não amedrontadas! (Mt 7:28).
Uma das maneiras de entender isso é compreendendo o uso que muitos rabinos judeus faziam de um método de ensino chamado mashal (ou meshalim, no plural). Na tradição judaica, mashal é um termo genérico para identificar todos os tipos de figuras de linguagem ou alegorias usadas num discurso ou ensinamento, desde uma pequena hipérbole até uma sofisticada parábola. Esse método tem um toque proposital de "mistério". Alguns dos salmos e dos provérbios, por exemplo, são chamados de meshalim.
O Novo Testamento chama de parábolas alguns desses ensinos, mas não devemos confundir com a idéia grega de parábola que indica uma ilustração sempre alegórica aberta a interpretações e reinterpretações de cada ponto da história. Diferente desse modelo, os meshalim são propositadamente capciosos e confusos, causando dubiedade nos ouvintes. Eles estariam mais próximos do conceito grego de enigma ou charada.
Percebemos esse tom nos ensinos de Cristo. Em Marcos 4:11, 12, Ele fala do "segredo do reino de Deus" dado aos discípulos e explica que muitas parábolas têm o sentido de meshalim ou mistério, isto é, para que os que virem, não percebam, e os que entenderem, não se lembrem. Os mistérios de Deus não são decifrados pela genialidade humana, mas pelo mistério de Espírito Santo. Noutras palavras, os mistérios do reino não são decifrados pela inteligência do homem, mas revelados pela providência de Deus. Antagonismos como estes usados por Cristo eram, de certa forma, enigmáticos e, portanto, se prendiam melhor à mente das pessoas que os ouviam, fazendo-as não apenas memorizar o conteúdo, mas ainda refletir em seu significado.
Voltando à questão do desapontamento com as palavras de Cristo, o que deveria ser, em princípio, uma cartilha de orientação, se tornou um padrão por demais elevado, algo que, como disse Lutero "nenhum filho de Adão poderia jamais obedecer". É uma lei, portanto, que só condena e não salva. Seria, então, utópico o ensino de Jesus? Afinal, como classificar o Sermão do Monte? Inatingível ou funcional? Bem, creio que a resposta esteja em Mateus 5:20 e 48. Nestes dois versos, Cristo mostra o tipo de comportamento que está repreendendo. Os fariseus e escribas se arvoravam de ser os mais fiéis de todos e, por isso, se tornavam um modelo de perfeição legalística para o povo. A intenção de Jesus foi, portanto:
– Tirar do povo o mito acerca dos fariseus e escribas, que eram tidos como modelo de perfeição. O modelo é o Pai celestial.
– Mostrar que, ao contrário do que esses líderes legalistas queriam que o povo acreditasse, sua prática religiosa estava quilômetros longe do ideal. Eles eram hipócritas (6:5).
– Corrigir a distorção religiosa criada por rabinos legalistas que fizeram da lei um fim em si mesma. Eles até apreciavam andar com uma porção da lei amarrada na testa para que todos vissem quão "piedosos" eram.
Neste último ponto, ao mostrar a impossibilidade de seres humanos, inclinados ao pecado, cumprirem cabalmente os mandamentos, Jesus concluiu que ninguém, por si mesmo atingirá o padrão de perfeição, não como os escribas e fariseus, mas como Deus. Logo, após esse duro discurso, nada mais nos resta senão o perdão e a misericórdia divina. E é exatamente aí que entra o papel do Messias.
O esquema do ensino de Cristo é, portanto, o seguinte: A lei moral não é um fim em si mesma: ela só nos mostra o pecado e nos deixa culpados. Nada ela pode fazer para nos salvar. Então, ela nos mergulha na lei cerimonial (5:23 e 24; 6:16, etc), que também não deveria ser um fim em si mesma: ela aponta para a cura, o perdão de nossas culpas e nos mergulha na pessoa do Messias, o único que pode nos conceder a capacidade de obedecer (Jo 15:4 e 5). Mas o encontro com o Messias não nos deixa sem frutos; aí entra o resultado visível em nosso estilo de vida: seremos positivos em nossa palavra (5:37); perdoaremos e amaremos nosso semelhante (5:38-48), não praticaremos justiça com o fim de obter vanglória (6:1) nem serviremos às riquezas (6:19 e 24).
Resumindo, pois, o Sermão do Monte é um ideal, uma perfeição que, por nós mesmos, jamais cumpriremos, mas que, pela graça de Cristo, podemos e devemos perseguir. E isso é o processo de toda uma vida, não de um momento estanque! É até possível dizer que talvez nunca o alcançaremos neste mundo, como o próprio apóstolo Paulo admitiu não ter ainda alcançado (Fl 3:12). Mas ele continuava prosseguindo rumo ao alvo da perfeição e é isso que contará no dia do juízo. Ou seja, que até o último instante de nossa vida (ou no momento da volta de Jesus), sejamos encontrados caminhando rumo ao alvo, não importando a velocidade ou o estágio em que estivermos. Quem estiver perto, mas tiver parado, se perderá, quem estiver distante e lento, porém caminhando, se salvará. Ah! Um detalhe a mais: muitos poderão estar no caminho da perfeição como estavam os fariseus, mas se seus passos não forem frutos da graça e sim de um legalismo que supostamente os salve ou os faça sentir-se "melhores que os demais", não adiantará o quanto caminhem. Acabarão saindo da rota, tomando um atalho que os levará à perdição. Caminhar nessa estrada é fruto da graça de Deus sobre os que buscam o ideal e não mérito de andarilhos sem destino! Compare Mateus 5:16 com 6:5.
II – A prática de Jesus (perdão e humildade)
É curioso notar que tudo o que Jesus ensinou "teoricamente" no Sermão do Monte é, por princípio, ilustrado de modo "prático" em Seu comportamento. Mateus faz questão de mostrar isso. Por exemplo, Sua cartilha de "como jejuar" (Mt 6:16-18) foi seguida à risca na isolada luta nos quarenta dias de Jesus pelo deserto (4:1-11). Sua abordagem sobre a oração (6:5-8) foi seguida estritamente nos vários momentos de intimidade com Deus em que Ele Se afastava de todos, subia ao monte e a sós orava ao Pai (14:23). Mais ainda: quando deu a oração modelo (6:9-14), demonstrou cumpri-la no momento de maior dor em que, a despeito da angústia final, pediu que se cumprisse a vontade do Pai (26:39 compare com 6:9) e ainda perdoou os que O crucificavam (embora essa última fala tenha sido registrada apenas por Lucas 23:43, compare com Mateus 6:14).
A lição destacou duas dessas práticas de Jesus: o perdão e a humildade. Sobre o perdão, devemos entendê-lo num sentido vertical (nós e Deus) e num sentido horizontal (nós e nosso semelhante).
No sentido vertical, o perdão já está garantido na cruz do Calvário. É só tomar posse dele. Não é algo que Deus ainda irá analisar para nos oferecer uma resposta posteriormente. Ele nos aceita desde que digamos sim à Sua graça.
Mas há distorções do perdão divino que devem ser corrigidas. Uns pensam que, uma vez salvos e perdoados, estaremos para sempre salvos e perdoados. Essa é uma meia-verdade que leva a um erro inteiro. Por sua vez, outros constroem, com base na promessa de perdão, a imagem de um Deus fraco, que não tem coragem de destruir, mas apenas de amar e perdoar indefinidamente. Mateus 12:31 e 32; 18:6-9 e Marcos 14:21 são passagens que nos advertem contra a idéia de que "Deus tem coração mole" e não terá coragem de nos destruir ou que uma vez que O aceitamos não corremos o risco de nos afastar dEle. Devemos cuidar com esse tipo de abordagem. O Apocalipse nos fala da ira do Cordeiro, o que significa que o Deus salvador também é juiz. Numa época em que vários filhos estão sendo acostumados a errar e a ter suas faltas atenuadas por pais que não têm pulso educacional ou disciplina efetiva, corremos o risco de estar criando uma geração de crentes que compreenderão Deus sob a mesma ótica de um Pai sem autoridade que não faz outra coisa, a não ser agradar Seus filhos e abonar indefinidamente suas faltas, sem nenhuma coragem de puni-los. Isso é muito perigoso!
Outro problema com relação ao perdão dado por Deus talvez esteja na dificuldade que alguns têm de se sentirem perdoados. A menos que se curem emocionalmente dessa distorção, a graça de Deus não poderá fazer muito por eles, pois estão anestesiados. Vivem pedindo perdão por coisas que já foram perdoadas e acabam se tornando infelizes de tanto quererem a felicidade.
No sentido horizontal do tema, o perdão ao próximo é algo que nos ajuda também. E a retenção do perdão nos adoece. Em 28 de novembro de 2002, a Folha de São Paulo publicou uma pequena lista de doenças que o rancor ou a falta de perdão pode ocasionar ou acentuar. Quem oferece estes dados são os Drs. José Roberto Leite, coordenador da Unidade de Medicina Comportamental da Unifesp, e José Antônio Atta, chefe do Ambulatório de Clínica Geral do Hospital das Clínicas:
- Depressão
- Dor de cabeça
- Dores musculares (principalmente nas costas)
- Fibromialgia
- Gastrites e úlceras
- Problemas cardiovasculares, como hipertensão
- Problemas intestinais, como síndrome do intestino irritável
- Problemas de memória
- Problemas de pele, como urticária
- Queda na imunidade
- Todas as doenças alérgicas, como asma
- Vertigem
Rancor, disse alguém, é um veneno que você toma querendo que o outro morra!
E quanto à humildade? Esta foi, sem dúvida, uma das lições mais difíceis para os discípulos aprenderem. Suas brigas pela liderança do grupo ou por quem seria o melhor nisso e naquilo fez com que Jesus tivesse que repreendê-los várias vezes em particular e, nalgumas vezes, em público. O grande problema com a falta de humildade é que pessoas que sofrem desse mal possuem, por tabela, uma distorção a respeito de Deus em sua vida. Ou se sentem miseráveis demais, por isso tentam compensar o sentimento de inutilidade com arrogância e exaltação (não compreendem o plano da graça) ou se sentem bons demais, por isso espelham sua glória sentindo-se como se um pequeno deus habitasse dentro de si (novamente não compreendem que precisam da graça). Ainda estão acreditando no engodo da serpente que disse: "sereis iguais a Deus".
III – As lições de Jesus (Graça e Fé)
A lição encerra a semana trazendo vários episódios em que a graça de Cristo foi revelada aos mais diferentes tipos de pessoas: Pedro, os trabalhadores da primeira e da última hora, Maria Madalena, Simão, o filho pródigo e seu irmão mais velho, a mulher apanhada em adultério.
Talvez o tempo não permita que todos esses tópicos sejam analisados em detalhes na classe. Não caia na tentação de fazê-lo, pois dificilmente poderá abarcar tudo. O ideal talvez seja aplicar os princípios gerais sobre graça e fé que esses textos apresentam:
1. Da declaração de João: A graça é o que me permite contemplar a glória de Deus em Cristo (Jo 1:14)
2. Do episódio de Pedro andando sobre as águas: A graça é um constante olhar para Jesus, não para as ondas, para o barco, para os companheiros de pesca. Quando perdemos de vista essa contemplação, afundamos, e isso só acontece quando nutrimos uma fé insuficiente para olhar a Cristo e não as pessoas ou as provações em redor.
3. Do jantar em casa de Simão: Quem se diz perdoado deve automaticamente reconhecer o perdão divino em outros tão ou mais pecadores que ele mesmo. Se isso não ocorrer, é porque a graça não nos atingiu efetivamente.
4. Da parábola do filho pródigo: há pessoas visivelmente perdidas (filho mais moço) e outras disfarçadamente perdidas (filho mais velho). Esse último talvez seja o caso mais delicado, pois alguém aparenta não precisar de ajuda e faz questão de continuar aparentando isto. Portanto, não pede o perdão. Esses vivem como se estivessem na graça, mas estão completamente fora dela. Não entendem que Deus está sempre pronto a receber de volta todos os que vão a Ele em busca de perdão, seja fora, seja dentro do lar.
5. Do julgamento da mulher adúltera: Os mandamentos são gravados em pedra, para durar para sempre. Os pecados são escritos na areia para serem apagados pelo sopro do Espírito. Mas permanece o conselho: "Vai e não peques mais". Qualquer ensino sobre salvação, graça e fé, que não transforme nossa vida não pode ser considerado um legítimo ensinamento bíblico.
FONTE http://www.cpb.com.br/htdocs/periodicos/licoes/adultos/2008/frlic422008.html
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